Na sua curta existência, o Brasil é um país carente de ídolos, muitas vezes alçados à condição de heróis pelas características peculiares relacionadas ao apelo popular de suas atividades e virtudes, sendo a maioria dos exemplos oriunda das práticas esportivas, poucas vezes relacionadas à cultura, artes ou mesmo à ciência. Na academia, esta carência de valores é ainda mais sentida, quando agora a Universidade Federal do Ceará (UFC) perde de seu convívio cotidiano, na data 22 de dezembro de 2008, um de seus maiores expoentes: o professor Francisco José de Abreu Matos.
Farmacêutico por vocação, professor por profissão, graduou-se em 1945 pela UFC. Doutor em Farmácia, livre-docente, professor emérito, títulos acadêmicos e honrarias que revelam apenas um pouco de sua trajetória. Na verdade, todos embutidos na história de dedicação e total entrega ao trabalho universitário, num verdadeiro caso de transmutação entre nome e atividade, pessoa e trabalho, indivíduo e obra. Impossível pensar no nome Abreu Matos e não associá-lo às plantas medicinais. Seu legado é base para a continuidade da própria existência de vários setores da UFC. Por isso, o termo “ídolo” usado para definir sua importância não constitui qualquer exagero semântico por várias razões.
Autor de centenas de artigos científicos e dezenas de livros voltados para o estudo químico, farmacológico e agronômico de plantas medicinais, constituiu-se numa das maiores autoridades no tema, com repercussões nacionais e internacionais. Possui seu nome registrado nas famosas coleções do herbário britânico Kew Garden, nas quais encontramos alusão à espécie Croton regelianus var. matosii, em sua homenagem, fruto do trabalho com seu inseparável companheiro e botânico, Afrânio Fernandes. Juntos, desbravaram, ao longo de vários anos, o interior do Nordeste brasileiro em busca de espécimes de plantas nativas que foram devidamente identificadas e catalogadas no herbário Prisco Bezerra da UFC. Desse esforço, surgiram e desenvolveram-se vários grupos de pesquisa em diferentes setores da UFC com forte tradição no estudo de plantas medicinais.
Professor Matos formou vários Mestres e Doutores e inspirou diversas pessoas da UFC, e muito mais fora dela. A ele devemos a criação do que se chama Projeto “Farmácias Vivas”, praticamente seu sobrenome, num trabalho que promove a utilização correta, baseada em dados científicos, de plantas e seus extratos para o alívio de diversas enfermidades. Muito além de suas observações científicas, ressalta-se o alcance social dessa iniciativa, sendo a idéia hoje copiada por muitas instituições, cidades, estados, como forma de baratear o acesso à saúde. Outra importância desse trabalho é o resgate das tradições etnofarmacológicas de nossa população.
Ainda em vida foi reconhecido por meio de diversos prêmios como o da Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, da Medalha Dr. Periguary de Medeiros e o troféu Sereia de Ouro. Recebeu comendas do Governo do Estado do Ceará, da Prefeitura Municipal de Fortaleza e de outros municípios cearenses. Também foi instituído, por lei municipal em Fortaleza, o dia da Planta Medicinal, 21 de maio, data de seu aniversário. Certamente uma justa homenagem.
Assim, não podemos deixar de registrar nossa despedida ao Professor Matos pelo convívio acadêmico, pelos exemplos e ensinamentos deixados, nosso ídolo que agora nos guia em outra dimensão.
Prof. Pedro Jorge Caldas Magalhães
Departamento de Fisiologia e Farmacologia
Faculdade de Medicina
Universidade Federal do Ceará
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