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sexta-feira, 16 de março de 2012

Professor Matos a transcendência do gênio e entrevista da Dra. Mary Anne

(Ele nos ensinou a ver e a amar não só as plantas medicinais em si, mas o homem que faz
uso delas).
Ele não era um quixote, não vislumbrava descobrir a panacéia, nem encontrar plantas que curassem doenças sem tratamento. Aquele homem sereno e pleno de humanidade tinha a mente focada mesmo era no exequível. Assim, movido pela energia da praticidade, ele buscou obsessivamente nada mais que aproximar o homem daquilo que é um dos seus elos com a natureza – e um tanto perdido, nestes tempos modernos – para tratar as suas próprias doenças: as plantas medicinais. Para tanto, foi buscar o fio desse elo justamente onde ele ainda é vigoroso: o conhecimento popular. O sujeito destes e muitos outros atributos é o farmacêutico Professor Dr. Francisco José de Abreu Matos, ou apenas PROFESSOR MATOS, como o mundo passou a conhecer e a reverenciar um dos mais importantes cientistas do segmento de plantas medicinais e fitoterápicos. No dia 22 de dezembro de 2008, ele morreu, deixando uma legião de seguidores e admiradores a quem cabe continuar a sua inestimável obra. Pelo

Exequível para o Professor Matos era buscar nas plantas já consagradas pela cultura popular o remédio, no plano da atenção básica, que pudesse tratar um vasto elenco de doenças que acomete a população brasileira. Mas se foi movido pela energia do que é prático e factível, Matos, por outro lado, nutriu-se de outra força: a do amor ao próximo. Aquele homem culto, de gestos leves e com ar de anjo elegeu em seu coração a fraternidade como o princípio e o fim do seu interminável esforço para criar, no Brasil, uma consciência e uma cultura do poder das plantas medicinais. Mas um poder que fosse de todos, em benefício de todos. Ele transcendeu as questiúnculas materiais, econômicas e jamais alimentou o desejo de fazer fortuna com os seus estudos, ainda que fosse ele um dos mais respeitados estudiosos de plantas medicinais, no mundo. Por isso, ele era tão especial. Farmacêutico-químico formado pela Faculdade de Farmácia do Ceará, em 1945, foi um dos fundadores da Universidade Federal do Ceará (UFC). Filho, neto e bisneto de farmacêuticos, Matos era doutor em Farmacognosia, livre-docente e professor emérito. Aposentou-se, em 1980, depois de 37 anos de serviço prestado à UFC, mas a sua idéia obsessiva de
construir algo relacionado a plantas que pudesse melhorar a qualidade de vida das pessoas não o deixou parar de trabalhar. Foi assim que ele criou, na UFC, o que veio a ser a menina dos seus olhos e que tem repercussão internacional: o Projeto Farmácias Vivas. Revolucionário, de imensurável voltagem social e sentido científico, o Farmácias Vivas promove a utilização correta de plantas medicinais e seus extratos, baseada em estudos científicos, com o objetivo de tratar diversas doenças. O projeto serviu de modelo para a criação, pelo Ministério da Saúde, da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, adotada pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Antes, a idéia do Farmácias Vivas já havia se espalhado por Municípios cearenses e de outros Estados, abrindo espaço para o resgate das tradições etnofarmacológicas da população nordestina. Assim, surgiram os programas municipais e estaduais de fitoterapia, implantados junto às Secretarias de Saúde e às comunidades organizadas. O Professor Matos recebeu homenagens e integrou organizações científicas, no mundo inteiro. Foi membro da Academia Nacional Cearense de Ciência, da Academia Cearense de Farmacêuticos e da Academia Nacional de Farmácia da França, além de outras. Entre as homenagens, está a Comenda do Mérito Farmacêutico, concedida pelo Conselho Federal de Farmácia, e a da Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. Recebeu, ainda, comendas dos Governos do Ceará e de Fortaleza que, aliás, instituíram, por lei, o Dia da Planta Medicinal – 21 de maio -, data do seu aniversário.  O homem simples e feliz que amava todas as expressões de vida do planeta como “criaturas de Deus”, passou a aplainar os fundamentos de sua obra, andando, durante 40 anos, pelo sertão nordestino e coletando, ali, informações sobre plantas medicinais em torno das quais já estava cristalizada uma cultura popular sobre o seu uso. Em seguida, passou a catalogá-las. Fez as  incursões nordestinas em companhia do botânico Dr. Afrânio Fernandes, professor do Departamento de Biologia da UFC. A ele, chamava de “meu amigo-irmão”. Matos estudava as plantas à luz de suas propriedades medicinais; Afrânio as identificava do ponto de vista da botânica. O trabalho resultou no registro do nome do farmacêutico cearense nas notáveis coleções do herbário britânico Kew Garden. Nelas, se encontra a espécie Croton regelianus var. matosii, em sua homenagem. Uma das pessoas mais próximas e seguidora do O Professor Matos foi casado, durante 57 anos, com Maria Eunice. Tiveram três filhos, 11 netos e um bisneto. Os muitos compromissos jamais afastaram o farmacêutico de sua família. Ao contrário, mantinha-a agregada em torno de sua alegria, sabedoria e carinho. E era um apaixonado por crianças. Uma das pessoas mais próximas e seguidoras do Professor Francisco José de Abreu Matos é a farmacêutica Mary Anne Medeiros Bandeira. Depois da morte de Matos, coube-lhe assumir a coordenação do Projeto Farmácias Vivas, instalado na Universidade Federal do Ceará.

ENTREVISTA
“Ele me ensinou a compreender a complexa filosofia do Projeto, e me treinou para o mesmo”, explica Mary Anne. Para ela, o grande legado de Matos foi levar as pessoas a ver e a amar não só as plantas em si, mas as pessoas que fazem uso delas. Mary Anne é natural de Iguatu (CE). Possui mestrado e doutorado na área de Química Orgânica de Produtos Naturais, tendo por orientador o Dr. Matos. É professora de Farmacognosia da Faculdade de Farmácia da UFC, Supervisora do Núcleo de fitoterápicos da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará e uma das herdeiras da filosofia do gênio cearense. A revista PHARMACIA BRASILEIRA entrevistou Mary Anne para saber mais sobre a vida e obra do Dr. Matos. Veja a entrevista.
PHARMACIA BRASILEIRA - O que foi mais marcante na personalidade do Professor Matos?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– Ele era uma pessoa tranquila, muito alegre, comunicativo, amiga e de uma honestidade comovente. Estava, o tempo todo, manifestando preocupação com a natureza e com o ser humano. No horto de plantas da Universidade Federal do Ceará, ele atendia, com a mesma alegria e entusiasmo, tanto ao colegial humilde, quanto ao cientista internacionalmente renomado. Quiçá não atendesse com mais felicidade ao colegial humilde. Era, portanto, um ser humano leve, sereno, bondoso e tudo o que compunha a sua personalidade era marcante.
PHARMACIA BRASILEIRA – Qual foi a base da construção do conhecimento do Professor Matos sobre plantas medicinais, algo tão grande a ponto de ele se tornar um cientista mundialmente respeitado nessa área?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– O Professor Matos começou a formar a base do seu conhecimento, andando pelo sertão nordestino e coletando, ali, informações sobre o uso das plantas medicinais utilizadas pela população. Depois, catalogou todas elas. Essas viagens, ele fez na companhia do botânico Dr. Afrânio Fernandes, professor do Departamento de Biologia da UFC, a quem ele chamava de “meu amigo-irmão”. O Professor Matos tratava das plantas do ponto de vista de suas propriedades medicinais atribuídas pela comunidade, e o Dr. Afrânio fazia a sua identificação botânica. Eles dois tinham muitos casos para contar juntos sobre essas andanças, que foram o início de todo o trabalho do professor Matos.
PHARMACIA BRASILEIRA – Quantas plantas o Professor Matos catalogou?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– Foram várias. Mas ele só disponibilizava à população informações sobre plantas validadas, cientificamente. Nesse caso, foram 106 plantas validadas e inscritas na última edição do seu livro intitulado “Plantas Medicinais”.
PHARMACIA BRASILEIRA – Quais as principais indicações terapêuticas dessas plantas?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– O Professor Matos focou todo o seu trabalho na atenção básica. As plantas são indicadas, por exemplo, para casos de dermatomicoses, como o alecrim-pimenta (Lippia sidoides), que tem efeito rápido e eficaz. Ela possui uma substância chamada timol, responsá vel pelo seu poder anti-séptico.
Para infecções respiratórias, temos cumaru (Amburana cearensis Allemão) e chambá (Justicia pectoralis var. stenophylla Leonard), ricas em cumarinas, que são broncodilatadoras e antiinflamatórias. Como cicatrizante e antiinflamatória, há a aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuva Allemão), rica em chalconas diméricas e taninos; como calmante, temos a erva-cidreira (Lippia alba Mill.), Quimiotipo II, que possui um óleo essencial rico em citral e limoneno; contra a herpes, temos a cajazeira (Spondias mombin Jacq.) cujas folhas possuem taninos elágicos; para a azia e malestar
gástrico, há a malva-santa  ou falso boldo (Plectantus barbatus Andr.), que possui óleo essencial e princípios amargos; para giardíase e amebíase, existe a hortelã- rasteira (Mentha x villosa Huds), rica em óleo essencial que produz até 90% de óxido de piperitenona. Há, ainda, muitas outras plantas, cada qual com as suas indicações.
PHARMACIA BRASILEIRA – O projeto Farmácias Vivas serviu de inspiração e base para a construção da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos pelo Ministério da Saúde e adotada pelo SUS. Fale sobre isso.
Mary Anne Medeiros Bandeira
– O Município que vai implantar o projeto Farmácias Vivas recebe todas as informações sobre o uso terapêutico das plantas medicinais e as mudas autenticadas para a  organização do seu próprio horto, orientação de como organizar oficinas farmacêuticas para a preparação dos fitoterápicos. Além disso, o projeto treina os profissionais dos Municípios para que eles realizem as suas ações com embasamento técnico e científico. Tudo isso constituiu  um modelo para a Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Ministério da Saúde.
PHARMACIA BRASILEIRA – O legado, tão grande e importante, deixado pelo Professor Matos pode correr algum risco de se perder?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– Não, não corre este risco, porque o Professor Matos deixou muitos discípulos e todos eles estão multiplicando, com muito empenho, o seu legado. O Professor Matos plantou a sua semente num solo muito fértil.
PHARMACIA BRASILEIRA – O projeto Farmácias Vivas recebe apoio governamental?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– Apoio financeiro, não. O projeto está implantado dentro da Universidade Federal do Ceará – e isso é um apoio – e sobrevive de doações de instituições nacionais e internacionais.
PHARMACIA BRASILEIRA – Qual é o olhar oficial sobre o Farmácias Vivas?
Mary Anne Medeiros Bandeira
– Em 1999, foi promulgada a Lei da Fitoterapia em Saúde Pública do Estado do Ceará. Em 2008, o Comitê Estadual de Fitoterapia, coordenado por mim e presidido pelo professor Matos, por meio do Núcleo de Fitoterápicos da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, regulamentou essa Lei. Agora, estamos aguardando o ato de assinatura do decreto de regulamentação do Governador. A regulamentação reconhecerá o Horto de Plantas Medicinais Professor Francisco José de Abreu Matos como o horto matriz do Estado do Ceará. No Ceará, portanto, há um olhar oficial positivo sobre o projeto Farmácias Vivas. Vale acrescentar
que há 38 unidades de Farmácia Vivas instaladas em diferentes Municípios do Estado, com o apoio do referido Núcleo.
PHARMACIA BRASILEIRA – Dra. Mary Anne, diante de tudo o que falamos, qual é o maior legado do Professor Matos.
Mary Anne Medeiros Bandeira
– A Farmácia Viva é uma grande escola e um grande exemplo para o mundo. É um marco histórico para o Brasil e modelo para todos os países, principalmente os subdesenvolvidos. O professor Matos deixou um acervo de informações tão grande, que eu nem sei quantas gerações serão necessárias para esgotá-las. Mas o seu grande legado é mesmo o que ficou gravado na memória das pessoas que conviveram com o Professor. Ele nos ensinou a ver e a amar não apenas a planta medicinal em si, mas o homem que faz uso dela.
jornalista Aloísio Brandão,  editor da revista  Pharmacia Brasileira - Janeiro/Fevereiro 2009

http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/69/043a046.pdf

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